Indicadores de IRAS: Conceitos Fundamentais para uma Boa Prática

Um dos principais objetivos de uma CCIH é o controle e a prevenção das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS). No entanto, como podemos verificar se estamos realmente alcançando esse objetivo? A chave para essa questão está nos dados e indicadores de IRAS

É importante lembrar que os indicadores de IRAS não são apenas números que precisamos reportar mensalmente para a ANVISA, Direção e Qualidade. Eles são fundamentais para entendermos se estamos ou não cumprindo nossa missão principal de prevenir as IRAS.

Neste artigo, abordaremos os princípios básicos de análise de dados e indicadores, com foco especial nos indicadores de IRAS, que são essenciais para o setor de CCIH. Essa análise nos permitirá avaliar a eficácia de nossas estratégias de prevenção e controle de infecções.

Contexto Geral

Antes de mergulharmos na análise de nossos indicadores e na elaboração de planos de ação, precisamos considerar um aspecto fundamental: a confiabilidade. Como esses dados são gerados? Podemos confiar neles?

Discutimos em profundidade a vigilância de IRAS e os seus critérios diagnósticos de IRAS em outros dois artigos. Esses dois conceitos são cruciais, pois a maneira como estruturamos nosso serviço para detectar IRAS e como confirmamos o diagnóstico têm impacto direto nos indicadores. Por exemplo, se realizo vigilância cirúrgica pós alta apenas para cesarianas e artroplastias, posso confiar em um indicador de Taxa de Infecção do Sítio Cirúrgico em cirurgias limpas?

Portanto, a qualidade dos dados coletados é tão importante quanto os indicadores que geramos. Somente com dados de alta qualidade podemos realizar uma análise crítica eficaz e elaborar um plano de ação baseado neles.

Relevância e Aplicação dos Indicadores de IRAS

A análise de dados e indicadores é uma ferramenta essencial para o controle de infecção hospitalar, pois permite:

  • Identificar e quantificar a magnitude e a distribuição das IRAS e dos fatores de risco associados;
  • Comparar o desempenho dos serviços de saúde com padrões de referência nacionais ou internacionais (Benchmarking);
  • Avaliar a efetividade e o impacto das intervenções preventivas e terapêuticas;
  • Detectar e investigar surtos de IRAS;
  • Planejar e implementar ações de melhoria contínua;
  • Comunicar e divulgar os resultados e as boas práticas para os profissionais, gestores, pacientes e sociedade.

Diferença entre Análise de Dados e Indicadores de IRAS

A análise de dados e os indicadores são conceitos complementares, mas não sinônimos. O indicador deve ter um propósito específico e servir como um direcionador rápido para tomada de decisão. Mas ele não conta toda história.

Dashboard do Vigispec para Análise de IRAS
Dashboard do Vigispec para Análise mensal de IRAS

Para compreender completamente a situação, precisamos realizar uma análise de dados e entender o que ocorreu e se é necessário implementar algum plano de ação. Por exemplo, a Densidade de Incidência de IPCSL-CVC é um indicador de notificação obrigatória pela ANVISA. Se o valor estiver acima da meta, isso acende um alerta de que pode haver algo errado. Ao analisar, podemos considerar vários aspectos, como o perfil dos pacientes admitidos na UTI (SAPS3), o tempo médio de permanência do CVC e a adesão ao Bundle de prevenção do CVC, além da adesão e conformidade ao checklist de inserção do CVC.

Após a análise, podemos identificar fatores de risco ou causas para a piora do indicador. Se ele estiver dentro da normalidade, não precisamos nos preocupar com esse aspecto e podemos focar em outros

Indicador Vigispec de Utilização de CVC e Incidência de IPCSL-CVC
Exemplo de Indicador

Indicadores de Resultado, Processo e Estrutura

Os indicadores de IRAS podem ser classificados em três categorias: resultado, processo e estrutura.

  • Os indicadores de resultado medem os efeitos ou as consequências da assistência à saúde sobre o estado de saúde dos pacientes ou da população. Exemplos: taxa de infecção de sítio cirúrgico, taxa de mortalidade por IRAS, taxa de resistência microbiana.
  • Os indicadores de processo medem as atividades ou as intervenções realizadas pelos profissionais ou pelos serviços de saúde para prestar a assistência à saúde. Exemplos: adesão à higiene das mãos, adesão à profilaxia antimicrobiana, adesão às precauções padrão e específicas.
  • Os indicadores de estrutura medem os recursos ou as condições disponíveis para prestar a assistência à saúde. Exemplos: número de leitos, número de profissionais, disponibilidade de equipamentos e insumos, existência de comissão de controle de infecção hospitalar.

Os indicadores de resultado, processo e estrutura estão inter-relacionados. A melhoria da estrutura pode facilitar a realização dos processos, que por sua vez podem melhorar os resultados. Por outro lado, a avaliação dos resultados pode indicar a necessidade de aprimorar os processos ou a estrutura.

Portanto, é importante monitorar e avaliar os três tipos de indicadores, de forma integrada e sistêmica.

Diferença entre Taxa e Densidade de Incidência

A taxa e a densidade de incidência são medidas de frequência que expressam o risco ou a probabilidade de ocorrência de um evento em uma população ou em um grupo de interesse. No caso das IRAS, essas medidas são usadas para estimar o risco de um paciente adquirir uma infecção durante a sua internação hospitalar.

Taxa de Incidência

O cálculo da taxa de incidência é a razão entre o número de casos novos de IRAS e o número de pacientes expostos ao risco de infecção em um determinado período de tempo. A taxa de incidência é expressa em percentual (%) ou em número de casos por 100 pacientes. Exemplo: taxa de mortalidade de IRAS = número de casos novos de infecção com desfecho de óbito / número de pacientes com desfecho de óbito x 100.

Nesse exemplo, mostra que para cada 100 pacientes que tiverem IRAS, probabilidade média de 14 terem desfecho de óbito

Indicador Vigispec - Taxa de Mortalidade IRAS
Taca de Mortalidade IRAS

Densidade de Incidência

Já o cálculo da densidade de incidência a razão entre o número de casos novos de IRAS e o tempo de exposição ao risco de infecção em um determinado período de tempo. A densidade de incidência é expressa em número de casos por 1000 dias de exposição. Exemplo: densidade de incidência de infecção de corrente sanguínea associada a cateter venoso central = número de casos novos de infecção de corrente sanguínea associada a cateter venoso central / número de dias de uso de cateter venoso central x 1000.

A diferença fundamental entre a taxa e a densidade de incidência reside no fato de que a taxa considera apenas o número de pacientes expostos ao risco de infecção, sem levar em conta o tempo de exposição. Por outro lado, a densidade de incidência leva em consideração o tempo de exposição como uma medida de risco mais precisa

Dessa forma, a densidade de incidência é mais adequada para medir o risco de IRAS em pacientes com diferentes tempos de internação ou de uso de dispositivos invasivos, pois evita o viés de tempo de exposição.

Indicadores de IRAS – Notificação Obrigatória ANVISA

Recentemente a ANVISA definiu através de Nota Técnica quais seriam os indicadores de notificação obrigatória para os estabelecimentos de saúde. com isso, a notificação é obrigatória desde 2023, conforme a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36/2023¹, e deve ser realizada por meio de formulários eletrônicos disponíveis no site da ANVISA

Com toda certeza isso foi um passo muito importante no Brasil, já que definiram quais são os indicadores mínimos que uma CCIH deve adotar para acompanhar seu processo de trabalho.

Conclusão

Por fim, a análise de dados e indicadores de IRAS é uma ferramenta essencial para o controle de infecção hospitalar, pois permite monitorar, avaliar e melhorar a qualidade e a segurança da assistência à saúde. Neste artigo, abordamos os princípios básicos de análise de dados e indicadores relacionados ao setor de controle de infecção hospitalar, com foco nos indicadores de IRAS. Esperamos que este texto tenha sido útil e informativo para os profissionais que atuam nessa área, e que possa contribuir para a prevenção e o controle das IRAS nos serviços de saúde.

Referências Utilizadas No Artigo

  1. Nota Técnica 2024: Vigilância de IRAS
    NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/DIRE3/ANVISA nº 01 / 2024. Orientações para vigilância das Infecções Relacionadas à assistência à Saúde (IRAS) e resistência aos antimicrobiana em serviços de saúde.
  2. Nota Técnica 2024: Critérios IRAS Notificação Obrigatória
    NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/DIRE3/ANVISA Nº 03 / 2024. Critérios Diagnósticos das infecções relacionadas à assistência à saúde de notificação nacional obrigatória – ano: 2024
  3. Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde
    Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, 2017.
Chafic Kallas

Chafic Kallas

Médico Infectologista com 10 anos de experiência em CCIH, fundador do sistema de gestão da CCIH - Vigispec

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